1.Certeza e Segurança Jurídica na Atividade Notarial
A certeza jurídica e a segurança jurídica são conceitos distintos no ordenamento jurídico. Aplicados ao notariado assumem uma transparência dinâmica. A certeza jurídica corresponde à efetivação da norma, conformidade legal e conteúdo normativo exato, a segurança jurídica surge associada ao princípio da proteção da confiança na qualidade de tutela da expetativa do cidadão na ação do legislador.
O notário procura indagar, interpretar e explicar o alcance do conteúdo negocial às partes, transpondo no documento público uma vontade perfeita. A vontade deixa de ser errónea para se transformar numa vontade exata, concreta e delineadora de sentido. Nem sempre esta tarefa é fácil, porque o notário necessita de decifrar com a exatidão necessária aquilo que as partes efetivamente querem. É o seu querer que tem de ser interpretado e zelado. No momento dessa interpretação o notário reúne as condições necessárias para a concretização da certeza e da segurança jurídica. Em primeiro lugar, o notário está em contacto com a certeza e por si só com as normas jurídicas e aplica aquelas que fizerem mais sentido. Em segundo lugar, o notário está em contacto com a segurança jurídica, porque controla a legalidade do ato notarial, não só numa perspetiva formal, de mérito, como também ao nível do conteúdo do negócio. É importante que o notário zele pelo controlo da legalidade dos atos notariais, um controlo que deve ser positivo, mas também negativo. A positividade do controlo da legalidade relaciona-se com o dever de informação, conselho e assistência e assessoria jurídica propriamente dita[1].
O dever de informação respeita ao momento em que o notário lê o ato notarial e explica o seu conteúdo aos outorgantes. É aqui que existe um grau elevado de certeza jurídica. O conselho e assistência refere-se ao aconselhamento adequado por parte do notário entre as várias soluções legais. Quanto à assistência, diz Erick Deckers que o conselho é um “dever de assistência imparcial”, já que assiste a parte com menos conhecimentos jurídicos, auxiliando-a e garantindo a estabilidade desejada[2]. Por sua vez, a assessoria jurídica propriamente dita diz respeito à indagação, auscultação e interpretação da vontade real dos outorgantes, transpondo-a no instrumento público.
2.Controlo da legalidade dos atos notariais
O controlo notarial negativo respeita à recusa de atos notariais, nomeadamente de casos de nulidade. No regime português, a recusa está prevista nos artigos 11.º, n.º 2 e 173.º do Código do Notariado. Este controlo negativo relaciona-se fortemente com a segurança jurídica, já que o notário prevê que o ato notarial é ilícito quer seja por preencher as caraterísticas elencadas naqueles artigos quer seja, por ter o mínimo senso jurídico para entender que o ato sofre de ilicitude. A segurança jurídica está sempre presente no controlo da legalidade, quer seja positivo quer seja negativo, porque o termo controlo da legalidade abrange as duas facetas.
Aplicado ao notariado, o controlo da legalidade do instrumento público leva à certeza jurídica, uma vez que exige que o negócio jurídico esteja conforme à lei e seja válido quanto ao seu conteúdo. O alcance da validade do negócio jurídico tem como efeito a segurança jurídica. A certeza normativa do conteúdo documental concretiza-se na verificação da capacidade das partes, de que não existe qualquer vício como erro, dolo, coação, fraude à lei, reserva mental ou simulação[3].
O próprio instrumento público emana segurança na sua feitura, porque o notário tem em consideração que o instrumento gera força autêntica, probatória plena e executiva. A escritura pública é um exemplo-padrão de concretização de certeza e segurança jurídica dentro dos atos notariais, porque ela é a excelência dos atos notariais, ao lado do testamento público. A certeza jurídica do conteúdo documental constitui um passo enorme para a segurança jurídica e o notário com bom empenho, na sua causa, alcança sem dúvida alguma, essa certeza. A certeza normativa é muito importante, porque feito o encaixe legal, é meio caminho andando para a segurança jurídica que é chave da atividade notarial.
O notário indaga, interpreta, auxilia as partes, assessorando-as, com equilíbrio e só quando tem a certeza de que a vontade das partes é uma vontade real, é que o notário transpõe no instrumento público o que as partes pretendem, por isso é que ele é detentor de toda uma certeza e segurança jurídica. A vontade deixa de ser deformada, errónea, para dar lugar a uma vontade exata, com certeza das declarações. Só o oficial público atinge elevados graus de certeza, porque faz todo este trabalho, por isso é que o sistema de organização notarial latina, é um sistema gerador de segurança jurídica preventiva.
3.Segurança Jurídica Preventiva
Perguntemo-nos então, pelo seguinte: o que é a segurança jurídica preventiva? Pois bem, é a prevenção de um conflito futuro a posteriori, em que o notário age através das ferramentas necessárias que previnam futuros litígios. Se o litígio já surgiu, o notário age de acordo com uma pacificação social, de modo a restabelecer o equilíbrio entre as partes, auxiliando-as. A segurança jurídica preventiva é auxiliar da segurança jurídica, porque faz parte da sua essência, zelando-se pela paz. O notário é o bom cuidador, o bom ouvinte, o bom perito na manutenção do equilíbrio necessário à estabilidade desejada. Sempre que se recorre ao notariado, o tribunal está fechado, este lema conhecido faz com que cheguemos à seguinte conclusão: a utilização excessiva dos tribunais pode gerar insegurança jurídica[4]. Por isso, o cidadão só tem vantagens em recorrer ao cartório, pois está a contribuir eficazmente para a boa segurança.
O notário rodeia-se de toda uma principiologia que rege a atividade notarial e que faz parte da função notarial, com os princípios necessários, o notário aplica-os e vai ao encontro da certeza e da segurança jurídica, sendo que estes dois valores, apesar de serem uma finalidade da atividade notarial, deveriam a nosso ver, constituir dois princípios da atividade notarial portuguesa. O ordenamento brasileiro tem o princípio da segurança jurídica, por isso ele aparece na esfera extrajudicial como um princípio fundamental e inerente não só aos atos praticados pelo notário, mas a todo o direito notarial[5].
4. Simplificação notarial
A simplificação notarial conduz à certeza e à segurança jurídica. A simplificação significa o abolir de superfluidades ou dados excessivos ao ato notarial. Tornar o ato notarial mais simples não implica reduzir a certeza e a segurança jurídica, muito pelo contrário. Na lei portuguesa, existem os termos de autenticação, mais propriamente nos artigos 151 e 152º do Código do Notariado e eles são verdadeiros alicerces de certeza e de segurança jurídica, mais de certeza, porque o artigo 151.º do Código do Notariado prevê que as partes devam estar inteiradas do conteúdo documental e que este deve exprimir a sua vontade, o que implica um elevado grau de certeza. As partes ao estarem inteiradas do conteúdo documental, sabem perfeitamente qual o negócio que vão celebrar e as respetivas consequências legais, através do papel moralizador do notário. As partes sabem que o conteúdo negocial tem de exprimir a sua vontade real e por isso, nada é mais seguro, nada é mais certo.
5.Atos Notariais
A escritura pública é de facto, o exemplo-padrão de certeza e de segurança jurídica, no entanto, os outros atos notariais, não significam uma diminuição dessa certeza e segurança jurídica, até porque o agente da função notarial é exatamente o mesmo. O mesmo acontece nos reconhecimentos notariais, neste caso, o legislador português não criou uma norma geradora de certeza jurídica, no entanto o reconhecimento não deve ser feito sem um mais[6], isto é, sem atender a toda uma correção do conteúdo documental. Ao fazê-lo, o notário está a concretizar a certeza e a segurança jurídica, já que são dois efeitos da atividade notarial.
Também os certificados no ordenamento jurídico português que correspondem às atas notariais no Brasil, são simplificados e não é por essa razão, que deixam de deter certeza e segurança jurídica, já que o notário no que diz respeito aos certificados de factos (artigo 163.º do Código do Notariado) não reconhece qualquer facto, mas aquele que o notário considera devidamente adequado a essa certificação.
Os atos notariais podem ser digitalizados e nessa medida, são simplificados. A pureza da simplificação é exequível com a digitalização de atos notariais, pois os atos notariais digitalizados são na mesma, detentores de certeza e de segurança jurídica. No Brasil, existe uma plataforma, conhecida pelo e-Notariado que garante a autenticidade, a certeza e a segurança dos atos notariais. Essa plataforma é regulada pelo Provimento N.º 100 de 26/05/2020. A plataforma detém os requisitos exigidos para a prática do ato notarial e nessa medida, assegura a certeza jurídica.
Mercília Pereira Gonçalves
Doutoranda em Ciências Jurídicas Privatísticas, Universidade do Minho
Bolseira de Investigação (FCT)
Investigadora do JusGov- Centro de Estudos e Governação
[1] Barea Martínez, Maria Teresa – “El Oficio de Notario y el Control Notarial de la Legalidad: Garantía de Libertad, Seguridad y Prosperidade”, in Discurso de Ingreso en la Real Academia de Jurisprudencia y Legislación de Granada, outubro de 2019, p.63.
[2] DECKERS, Eric – Função notarial e deontologia. Coimbra: Almedina, 2005, p.17.
[3] Gonçalves, Mercília – O Notário e a Atividade Notarial: Certeza e Segurança Jurídica. Universidade do Minho. Dissertação de Mestrado, p.187.
[4] Jardim, Mónica – Escritos de Direito Notarial e Direito Registal. Coimbra: Almedina, 2017, p.12.
[5] REZENDE, Afonso Celso. F / CHAVES, Carlos Fernando Brasil – Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. 7ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p.72.
[6] Gonçalves, Mercília – O Notário e a Atividade Notarial: Certeza e Segurança Jurídica. Universidade do Minho. Dissertação de Mestrado, p.137.